segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Análise 26 - Capitães da Areia


O livro, que foi escrito na primeira fase da carreira do autor baiano, retrata, com uma linguagem simples e envolvente, a dura vida de um grupo de meninos das ruas de Salvador.

Capitães da Areia foi escrito na primeira fase da carreira de Jorge Amado e publicado pela primeira vez em 1937. Não possui um personagem principal, de modo que o próprio grupo, os Capitães da Areia, fazem esse papel.

Carregado de preocupações sociais, o livro retrata as autoridades e especialmente a Igreja Católica como os grandes responsáveis pelas situações opressoras pelas quais passam os personagens.  Os “vagabundos” das ruas de Salvador, por sua vez, são transformados pelo autor em verdadeiros heróis. 

Já no início do romance, o autor apresenta o contexto do meio que busca retratar apresentando a reportagem fictícia “Crianças ladronas”, que narra um assalto à casa do comendador José Ferreira. De acordo com o texto, o crime fora praticado pelos Capitães da Areia, descritos como “o grupo de meninos assaltantes e ladrões que infestam a nossa urbe”. 

"Já por várias vezes o nosso jornal, que é sem dúvida o órgão das mais legítimas aspirações da população baiana, tem trazido noticias sobre a atividade criminosa dos ‘Capitães da Areia’, nome pelo qual é conhecido o grupo de meninos assaltantes e ladrões que infestam a nossa urbe. Essas crianças que tão cedo se dedicaram à tenebrosa carreira do crime não têm moradia certa ou pelo menos a sua moradia ainda não foi localizada. Como também ainda não foi localizado o local onde escondem o produto dos seus assaltos, que se tornam diários, fazendo jus a unia imediata providência do Juiz de Menores e do Dr. Chefe de Polícia."


Em seguida, são apresentadas cartas de leitores do jornal: do secretário do chefe de polícia, que transfere ao juiz de menores a responsabilidade pelos crimes dos Capitães da Areia, e, depois, do juiz de menores, que repassa a tarefa de manter a ordem ao chefe de polícia. 


Surgem ainda a carta de uma mulher cujo filho estivera num reformatório, mostrando sua indignação com os castigos sofridos pelos menores infratores em tal instituição; a carta do padre José Pedro,aliado dos garotos injustiçados, que confirma a denúncia da mulher; e a última carta – e a última palavra – do diretor do reformatório, que nega os maus-tratos dispensados aos menores na instituição. 
A narrativa se desenrola ainda em pontos conhecidos da capital baiana, como o Trapiche (onde hoje encontram-se o Solar do Unhão e o Museu de Arte Moderna); o Terreiro de Jesus (local de destaque comercial de Salvador, no qual as crianças conseguiam dinheiro e comida); e o Corredor da Vitória (área nobre de Salvador).

Tempo 
 
A obra apresenta tempo cronológico demarcado pelos dias, meses, anos e horas: 

"É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia, Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus 5 anos. Hoje tem 15 anos. Há dez anos que vagabundeia nas ruas da Bahia."

O tempo psicológico correspondente às lembranças e recordações constantes na narrativa.



"Quando terminaram, o preto bateu as mãos uma na outra, falou:

- Teu irmão disse que a mãe de você morreu de bexiga...

- Papai também...

- Lá também morreu um...

- Teu pai?

- Não. Foi Almiro um do grupo."


Foco Narrativo

O romance é narrado em terceira pessoa, por um narrador onisciente (que sabe tudo o que ocorre). Essa característica narrativa consegue mostrar o outro lado dos Capitães da Areia. O narrador apresenta não apenas as atitudes que a vida obriga os meninos a tomar, mas também os pensamentos ingênuos e puros, comuns a qualquer criança. 

"É velho e desbotado o carrossel de Nhozinho França. Mas tem a sua beleza. Talvez esteja nas lâmpadas, ou na música da pianola (velhas valsas de perdido tempo), ou talvez nos ginetes de pau. Entre eles tem um pato que é para sentar dentro os mais pequenos. Tem a sua beleza, sim, porque a opinião unânime dos Capitães da Areia é que ele é maravilhoso. Que importa que seja velho, roto e de cores apagadas se agrada às crianças?"


Personagens

Pedro Bala: Loiro, com 15 anos de idade, marcado por uma cicatriz no rosto. É o chefe dos Capitães da Areia. Ágil, esperto e respeitador, saiu do grupo para comandar e organizar os Índios Maloqueiros em Aracaju, deixando como líder do grupo, Barandão. Depois disso, ficou muito conhecido por organizar várias greves, como perigoso inimigo da ordem estabelecida.

Professor: Garoto magro, inteligente e calmo, é o único que sabe ler. Mentor dos roubos do bando. Depois de muito tempo aceita um convite e vai pintar no Rio de Janeiro.

Gato: Conhecido assim por ser o mais bonito do grupo. Tem um caso com Dalva, uma prostituta  que lhe fornece dinheiro. Participa dos planos mais arriscados e é muito malandro e esperto. Parte para Ilheús a fim de tentar a sorte.

Volta-Seca: Imitador de pássaros e afilhado de Lampião, trata-se de um mulato sertanejo de alpargatas. 

Sem-Pernas: Garoto pequeno, coxo de uma perna, agressivo e egoísta. Entra nas casas de família fingindo ser um órfão com o objetivo de descobrir os lugares da casa, onde ficam os objetos de valor. Suicidou-se em razão do ódio que nutria pela polícia baiana.

João Grande: Negro, alto e grande, muito respeitado pelo bando. Entrou no Capitães da Areia com nove anos de idade. É uma pessoa boa e forte, razão pela qual tornou-se uma espécie de protetor dos meninos recém-chegados. Fuma e bebe cachaça e não sabe ler. É chamado de Grande pelo professor, que o considera “um negro macho de verdade”.

Pirulito: Magro e muito alto, de pele meio amarelada, olhos fundos, boca rasgada e pouco risonha. É o único do grupo que tem vocação religiosa.
 
Boa-vida: Mulato troncudo e feio, é o mais malandro do grupo. É o único que não participava das atividades de roubo por ser preguiçoso.

Dora: Jovem de quase 14 anos, é a única mulher do grupo. Menina muito simples, dócil, bonita, simpática e meiga. Os pais morreram de varíola, deixando a garota e um irmão pequeno. Com o tempo passa a ser considerada por todos como uma mãe – exceto para Pedro Bala, que faz dela sua noiva.

João-de-Adão: Estivador, negro e antigo grevista, é igualmente temido e amado em toda a estiva. Por meio dele, Pedro Bala soube de seu pai. Segundo João-de-Adão, a mãe de Pedro falecera quando ele tinha seis meses e era uma grande mulher. 

Don'aninha: Mãe de Santo, sempre os socorre em caso de doença ou necessidade. 

Padre José Pedro: Introduzido no grupo por Boa-Vida, conhece o esconderijo dos Capitães e se torna um amigo fiel dos meninos. 

Querido-de-Deus: Grande capoeirista da Bahia, respeita o grupo liderado por Pedro Bala e é respeitado por ele. Ensina sua arte para alguns deles e exerce grande influência sobre os garotos. 

Enredo

Capitães da Areia aborda a vida de crianças sem família que moram em um velho armazém abandonado no cais do porto de Salvador. Os motivos que os uniu são os mais variados: uns ficaram órfãos, outros foram abandonadas ou fugiram dos abusos e maus-tratos recebidos em casa. 

O líder do grupo é Pedro Bala, 15 anos. Durante o dia, o bando perambula pelas ruas em busca de comida ou praticando pequenos furtos para poder comer. Esse contato precoce com a dura realidade da vida adulta faz com que se tornem agressivos e desbocados.

Além disso, os Capitães da Areia praticam roubos maiores, o que os torna conhecidos e procurados pela polícia. Caso fossem pegos, seu destino seria o Reformatório de Menores, visto pela sociedade como um estabelecimento modelar para a criança em processo de regeneração, onde se propagandeava a oferta de trabalho, boa comida e direito a lazer. No entanto, esta não é a opinião dos próprios garotos, que têm consciência de que lá estariam sujeitos a todos os tipos de castigo.

Quando a epidemia de varíola toma conta de Salvador, muitos pobres morreram por falta de vacina – é o caso dos pais de Dora e de seu irmão, Zequinha. Como ninguém queria ajudar “filho de bexiguento”, foram parar no trapiche, levados por João Grande e o Professor. 

A confusão, causada pela presença de Dora no armazém, é contornada por Pedro, que se apaixona por ela tornado-se seu noivo. Os meninos aceitaram-na no grupo e, depois de algum tempo, vestida como um deles, a garota passa a participar de todas as atividades e roubos do bando. 

"- Amanhã ela vai embora. Não quero menina aqui. 
  - Não – disse Dora. – Eu fico, ajudo vocês. Eu sei cozinhar, coser, lavar roupa. 
  - Por mim pode ficar, falou Volta-Seca."


"Dora declarou à nossa reportagem que era noiva de Pedro Bala e que iam se casar. É uma menina ainda ingênua, mais digna de piedade que de castigo. Fala no seu noivado com maior das ingenuidades. Não tem mais de quatorze anos, enquanto Pedro Bala anda pelos seus dezesseis. Dora foi levada ao Orfanato Nossa Senhora da Piedade."


A obra deixa evidente que o clero tinha grande responsabilidade pela situação das crianças, uma vez que a Igreja sempre era favorável aos fiéis mais poderosos e financeiramente interessantes.


Observe o trecho a seguir, em que o cônego chama a atenção do padre José Pedro, após uma fiel ter se queixado dele:


"– Não faz muito tempo a viúva Santos queixou-se. O senhor ajudou uma corja de moleques, numa praça, a vaiá-la. Melhor, incitou os moleques a que a vaiassem... Que tem a dizer, padre?
– Não é verdade, cônego.

– O senhor quer dizer que a viúva mentiu?

Fuzilou o padre com os olhos. Mas desta vez José Pedro não baixou a cabeça, apenas repetiu:

– O que ela disse não é verdade...
– O senhor sabe que a viúva Santos é uma das melhores protetoras da religião na Bahia? Não sabe dos donativos..."

O padre José Pedro era uma exceção e amigo dos Capitães da Areia.

O episódio mais marcante do romance é o roubo a uma casa na Ladeira São Bento. Após cometerem o delito, os garotos são presos. Parte do grupo consegue fugir da delegacia e Pedro Bala acaba sendo levado para o Reformatório. Após muitos maus-tratos consegue fugir e prepara-se para libertar Dora. Porém, um mês no Reformatório Feminino foi o suficiente para acabar com a alegria e a saúde da menina que, após ser levada por Pedro, Professor e Volta-Seca, falece na manhã seguinte. 


Alguns anos se passam e o destino de cada um toma um rumo diferente. Graças ao apoio de um poeta, o Professor vai para o Rio e passa a expor seus quadros. Pirulito, que já não rouba mais, entra para uma ordem religiosa. Sem-Pernas morre, fugindo da polícia. Volta-Seca consegue fazer o que sempre sonhou: aliar-se ao bando de seu padrinho, Lampião, tornando-se um terrível matador de polícia. Gato vai parar em Ilhéus, onde vive trapaceando coronéis. Boa-vida, tocador de violão e armador de bagunças, já pouco aparece no trapiche. João Grande embarca como marinheiro num navio de carga. Assim como Pirulito, Pedro Bala encontra sua vocação. Após passar a liderança do grupo para Barandão, vai para Aracaju e, anos depois, torna-se conhecido como um organizador de greves e perigoso inimigo da ordem estabelecida.


Ausência da figura materna

O descaso social com os meninos de rua é o que direciona o romance. Em todos os capítulos esse abandono é abordado. Um exemplo disso é a falta da figura materna que todos sentem. Sem-Pernas é o personagem mais revoltado do grupo; o que menos demonstra capacidade de amar e de receber amor. Quando o narrador revela sua real necessidade de afeto, acaba por transferir essa necessidade para todo o bando. Por isso, quando Dora entra para o grupo, os garotos passaram a enxergar nela a figura materna tão ausente em suas vidas.

"Uma vontade de deitar no colo de Dora e deixar que ela cante para ele dormir, como quando era pequenino. Se recorda que ainda uma criança. Mas só na idade, porque no mais é igual a um homem furtando para viver, dormindo todas as noites com uma mulher da vida, tomando dinheiro dela. Mas nesta noite é totalmente criança esquece Dalva, suas mãos que o arranham, lábios que prendem os seu em beijos longos, sexo que o absorve. Esquece sua vida de pequeno batedor de carteiras, de dono de um baralho marcado, jogado desonesto. Esquece tudo, é apenas um menino de quatorze anos com uma mãezinha que remenda suas camisas. Vontade de que ela cante para ele dormir..."


Jorge Amado no contexto da obra


Jorge Amado terminou de escrever Capitães da Areia à época da instauração do Estado Novo por Getúlio Vargas. Um fato curioso é o de que o personagem Pedro Bala tem, na verdade, uma história semelhante à do autor – o personagem acabou perseguido e detido por ter se tornado "militante proletário", conforme relato disponibilizado pela página oficial do livro


Em 1937, o escritor foi preso em Manaus pela polícia do novo regime. Não era a primeira vez: ele havia sido preso no ano anterior, acusado de participar da Intentona Comunista. Quando publicado, o livro foi considerado subversivo e teve inúmeros exemplares apreendidos e queimados pela polícia em praça pública. Jorge Amado recebeu a notícia na cadeia. 


O livro ganhou nova edição apenas em 1944. Desde então, é o romance mais editado de Jorge Amado: já ultrapassou a marca de cento e vinte edições em português e foi publicado em mais de quinze países.


Saiba mais:

Confira Especial sobre o Centenário de Jorge Amado.

Visite também o site oficial do autor.

Brinque com joguinhos baseados na obra Capitães da Areia!

Assista ao trailer oficial do filme baseado na obra.

Leia a biografia do autor.

Conheça a Fundação Casa de Jorge Amado.

Fonte: http://vestibular.uol.com.br

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