segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Análise 10 - Espumas Flutuantes


Único livro publicado em vida por Castro Alves, a obra reflete sua percepção sobre o mundo e a época em que vive. É como se ele quisesse deixar um inventário com todas as possibilidades de sua poética.

Lançado no final de 1870, poucos meses antes da morte do poeta, Espumas Flutuantes reúne parte importante de sua produção lírica. São poesias de caráter épico-social, de amor, textos descritivos e traduções que revelam suas influências – entre elas, a poesia social de Victor Hugo, o romantismo heroico de Lord Byron e o ultrarromantismo de Junqueira Freire e de Álvares de Azevedo. 
Apenas os poemas abolicionistas, pelos quais Castro Alves se ornou tão conhecido, não fazem parte desta obra. Estavam destinados ao volume Os Escravos, que ele vinha organizando e não chegou a publicar na íntegra antes de morrer.

O social como tema da poesia

Castro Alves é o maior representante da última geração romântica da Literatura brasileira. Diferentemente dos ultrarromânticos que o precederam, projeta o drama interior do escritor (o eu) e sua intensa contradição psicológica sobre o mundo. 

Para lembrar
Para os poetas da geração anterior, o conflito faz o escritor voltar-se para si mesmo, pois a desarmonia é resultado das lutas internas. Para Castro Alves, são as lutas externas – do homem contra a sociedade e do oprimido contra o opressor – que provocam essa desarmonia.


É um outro modo de representar o conflito entre o Bem e o Mal, tão prezado pelos românticos. Na obra de Castro Alves, a poética identifica-se profundamente com o ritmo da vida social, expressando a busca da humanidade por redenção, justiça e liberdade. E o poeta tem um papel messiânico e afinado com o seu momento histórico. 


Para lembrar
Esse comprometimento com a realidade faz a poesia de Castro Alves se aproximar do discurso, incorporando a ênfase oratória e a eloquência.


Estilo e linguagem grandiosos

Nos poemas de caráter político-social de Castro Alves, como "O Livro e a América", "Ode ao Dous de Julho" e "Pedro Ivo", a poesia é superada pelo discurso político inflamado.

Para atingir o alvo e persuadir o leitor, o poeta abusa de antíteses e hipérboles e apresenta uma sucessão vertiginosa de metáforas que procuram traduzir a mesma ideia. E nada é gratuito. Sua poesia é feita para ser declamada e o exagero das imagens é intencional, deliberado. Tem a intenção de reforçar a ideia do poema. Os versos devem ressoar e traduzir o constante movimento de forças antagônicas, como em "Ode ao Dous de Julho": 


"Era no dous de julho. A pugna imensa Travara-se
nos cerros da Bahia...

O anjo da morte pálido cosia 
Uma vasta mortalha em Pirajá [...]
Era o porvir – em frente do passado,
A Liberdade – em frente à Escravidão,
Era a luta das águias – e do abutre,
A revolta do pulso – contra os ferros,
O pugilato da razão – com os erros,
O duelo da treva – e do clarão!..."

 As características da poesia social de Castro Alves são:


• Discurso retórico e declamativo. 
• Uso exagerado de hipérboles e antíteses. 
• Acúmulo sucessivo de metáforas. 
• Um movimento que procura demonstrar concretamente a luta da humanidade em busca da liberdade. 
• Enorme capacidade de comunicação. 

A poesia, portanto, perde terreno para a propaganda política. Pragmático, o poeta usa a poesia para levar o leitor à ação, para transformar e não só como uma forma de prazer. Trata-se de uma arte engajada no marketing das ideias sociais e políticas. 

Na lírica amorosa, musas de carne e osso 

Castro Alves transformou a poesia lírico-amorosa do Romantismo, mudando a concepção temática do amor. Seus poemas, muitas vezes de fundo autobiográfico, destacam-se pelo vigor da paixão e pela intensidade na expressão do sentimento. Em seus versos, a experiência amorosa realiza-se também no plano físico, enquanto desejo e envolvimento sentimental-carnal. 

Anote!
A amada do poeta é de carne e osso, e não uma figura distante, idealizada, intocada e etérea – fruto da imaginação adolescente –, como acontece com os poetas que o antecederam.


O poema "O 'Adeus' de Teresa" revela essa amada, que passa a noite com o eu-lírico:

"Uma noite... entreabriu-se um reposteiro... 
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
'Adeus' lhe disse conservando-a presa...
E ela entre beijos murmurou-me:
'Adeus!' "

E é bem real, como se percebe no poema "Adormecida": 


"Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente."

Um amor e muita sensualidade

A paixão concreta e ardente pela atriz portuguesa Eugênia Câmara influenciou sua visão poética do amor.
Essa visão pode ser classificada não só como sentimental, mas também como sensual, entendida como uma poesia que apela aos sentidos (sensorial). 

Para lembrar
É desse período o poema "O Gondoleiro do Amor", em que a descrição da amada é carregada de uma sensualidade sem precedentes no Romantismo brasileiro:


"Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;
Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no languor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?"


Inspirado por Eugênia Câmara, Castro Alves escreveu seus mais belos poemas de esperança, euforia, desespero e saudade, como "É Tarde". Pela primeira vez, a poesia é motivada pela paixão e pelo envolvimento amoroso, e a dor não se traduz em lamentos e queixas. Seu sentimentalismo amoroso é maduro, adulto e se realiza em sua plenitude carnal e emocional. 

Castro Alves transforma a realidade imediata de sua experiência amorosa em criação poética e utiliza metáforas (imagens) ligadas à natureza para traduzir esse movimento de união entre vida e arte. Essa ideia se revela claramente no poema "Aves de Arribação":


"É noite! Treme a lâmpada medrosa
Velando a longa noite do poeta...
Além, sob as cortinas transparentes,
Ela dorme, formosa Julieta!
Entram pela janela quase aberta
Da meia-noite os preguiçosos ventos
E a lua beija o seio alvinitente
– Flor que abrira das noites aos relentos.
O Poeta trabalha!... A fronte pálida
Guarda talvez fatídica tristeza...
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Tendo por musa – o amor e a natureza!
E como o cactus desabrocha a medo
Das noites tropicais na mansa calma,
A estrofe entreabre a pétala mimosa
Perfumada da essência de sua alma."


Anote!
A poesia lírico-amorosa de Castro Alves, reunida em Espumas Flutuantes, diferencia-se dos românticos anteriores pela visão poética do amor. Nessa obra, esse sentimento é plenamente vivenciado e concretizado no plano emocional e no plano físico. O amor é descrito com vigor, desejo e sensualidade por meio de metáforas da natureza. A mulher amada é real, de carne e osso e a paixão envolve e motiva o poeta a traduzir o relacionamento amoroso em versos.

Vida e obra - O poeta em ação

Um brilho fugaz, mas intenso

Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, em Curralinho, hoje Castro Alves, na Bahia. Cursou Humanidades no Ginásio Baiano. 

Em 1862, mudou-se para o Recife, com o objetivo de ingressar na Faculdade de Direito. 
Entusiasmado com as ideias liberais e abolicionistas dos jovens acadêmicos da época, dedica-se à poesia e ao desenho, frequenta os teatros e começa a publicar seus versos na imprensa. 
Sem conseguir entrar na faculdade, passa o ano de 1863 estudando Geometria (que o havia reprovado) e publica seus primeiros versos abolicionistas – "A Canção do Africano" – no jornal acadêmico A Primavera. Apresenta os primeiros sinais de tuberculose. Em 1864, entra na Faculdade de Direito, onde se destaca mais pelos poemas recitados nos teatros e comícios estudantis, muitas vezes de improviso, do que pelo empenho nos estudos. 

Para lembrar
Seu primeiro grande sucesso de público acontece no aniversário dos cursos jurídicos, em 11 de agosto de 1865, quando recita "O Século" no salão de honra da faculdade. Nesse mesmo mês, começa a preparar o livro Os Escravos.

Funda em 1866, com Rui Barbosa e outros colegas de curso, uma sociedade abolicionista e lança o jornal de ideias A Luz. No mesmo ano, apaixona-se por Eugênia Câmara e vai morar com ela nos arredores da cidade. Para a amada, traduz peças francesas e compõe o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas

Em 1867, mudam-se para Salvador, onde encenam a peça com grande sucesso. Castro Alves dedica-se a terminar Os Escravos e cria "A Cachoeira de Paulo Afonso", poema que será o epílogo do livro. Ao mesmo tempo, escreve "Sub Tegmine Fagi" e 
outras poesias.
Animado pelo sucesso da peça em Salvador e disposto a terminar o curso de Direito em São Paulo, Castro Alves embarca para o Sul na companhia de Eugênia em fevereiro de 1868. De passagem pelo Rio de Janeiro, lê o seu drama e algumas poesias a José de Alencar, que depois o apresenta a Machado de Assis. Ambos ficam impressionados com seu talento. Machado o elogia publicamente no Correio Mercantil
Em São Paulo, Castro Alves é tratado como um ídolo. Frequenta pouco a faculdade. Dedica-se a escrever poemas, como "Vozes d'África" e "Navio Negreiro", e recitá-los. Também prepara a representação do Gonzaga, por Joaquim Augusto, o maior ator brasileiro da época. A peça é encenada com sucesso em outubro. 
O relacionamento com Eugênia Câmara complica-se. A atriz retorna ao palco e as brigas por ciúmes se multiplicam. Eugênia o abandona definitivamente em setembro. Angustiado e deprimido, Castro Alves pára de ler e escrever, somente passeia e vai à caça, ainda que não dispare nem um tiro. 
Em 1º de novembro, sai mais uma vez para caçar no Brás, nos arredores da cidade e, ao saltar uma vala, a arma dispara e o tiro acerta-lhe o pé esquerdo. O ferimento infecciona e a tuberculose volta a se manifestar. Em 19 de maio de 1869, embarca para o Rio de Janeiro, onde, no começo de junho, seu pé é amputado, sem anestesia. A convalescença é lenta e dolorosa. 

Nasce Espumas Flutuantes

Em 25 de novembro, Castro Alves embarca para a Bahia, cercado de amigos e parentes.

Para lembrar
Durante a viagem, contemplando a esteira de espumas que forma o navio no mar, tem a ideia de reunir seus poemas num livro chamado Espumas Flutuantes.

A conselho médico, em fevereiro de 1870, vai para Curralinho, no sertão baiano e, depois, à fazenda Santa Isabel, no Rosário do Orobó, onde termina "A Cachoeira de Paulo Afonso". A aparente melhora de saúde o faz retornar a Salvador em setembro. Em outubro, o livro Espumas Flutuantes é lançado. Muito doente, em janeiro de 1871, ainda faz versos, como "A Violeta", que dirige à cantora Agnèse Trinci Murri. Apesar dos cuidados que o cercam na capital da Bahia, sua doença se agrava.

Anote!
No dia 6 de julho de 1871, aos 24 anos, o "Poeta dos Escravos" morre, junto a uma janela banhada de sol, para onde fora levado em cumprimento de seu último desejo.

O condoreirismo

Castro Alves foi o principal e mais popular representante do estilo romântico que predominou na poesia brasileira entre 1850 e 1870. Estilo que foi denominado "condoreiro" pelo poeta e historiador Capistrano de Abreu (1853 a 1927). 


Para lembrar
O condoreirismo é caracterizado por uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, em que se destacam os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura e a apologia da República.

Os poetas condoreiros foram influenciados diretamente pela poesia social de Victor Hugo – o condoreirismo é o hugoanismo brasileiro.
De teor declamativo e pendor social, um de seus símbolos mais frequentes é a imagem do condor dos Andes, pássaro que representa a liberdade da América. É ela que sugeriu a Capistrano de Abreu a denominação dada ao estilo. 
A forma mais típica da poesia condoreira é a décima composta de uma quadra (abab ou abcb) e uma sextilha (ddeffe) de versos heptassílabos, como aparece na poesia "O Livro e a América", de Espumas Flutuantes:

"Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto –
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar."

Outros poetas, como Tobias Barreto (1839-1889), José Bonifácio, o Moço (1827-1886) e Pedro de Calasãs (1837-1874) cultivaram e defenderam o condoreirismo.

Vida e obra - A influência ultrarromântica

Castro Alves aos 20 anos.

Vários poemas de Espumas Flutuantes, principalmente os de temática existencial, ressaltam ainda a influência do ultrarromantismo da geração anterior de poetas, como Junqueira Freire e Álvares de Azevedo. As traduções de Lord Byron indicam a importância dessa herança na poesia de Castro Alves. 

Enquanto para a geração do "Mal do Século" a tônica era o pessimismo, o sentimento de impotência diante da morte iminente e prematura que, muitas vezes, representava uma saída para o tédio da vida, para Castro Alves tudo era 
bem diferente. 

Sua visão da existência revela uma imensa paixão pelo mundo. A vida para o poeta é vista com otimismo e prazer. Na verdade, ele lamenta deixá-la, quando se vê ameaçado pela doença que o levaria à morte, pois viver é "glória!", "amor!", "anelos!". 

Enquanto o poeta Álvares de Azevedo afirma: "Eu deixo a vida como deixa o tédio / Do deserto, o poento caminheiro", Castro Alves "responde", no poema "Mocidade e Morte", escrito aos 17 anos, após as primeiras manifestações da tuberculose: 


"Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre que embalsama os ares [...]
Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! O seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas."


Um amante da vida

Ao mesmo tempo que traduzia Byron e Musset, Castro Alves escrevia poesias como "Aves de Arribação" e outras, que demonstram uma reação poética aos poemas traduzidos. 


Suas traduções estavam muito ligadas às circunstâncias e aos sentimentos vividos no momento, mas também representavam uma satisfação às solicitações da época. Traduzir bem era um ponto de honra porque demonstrava cultura refinada e familiaridade com os mestres do pensamento universal. 

"Sou Don Juan!", exclama Castro Alves em "Os Três Amores". Adotando atitude tipicamente "donjuanesca", dedica sonetos para uma sucessão de sete mulheres, em "Os Anjos da Meia-Noite". Por isso, acredita-se que o Byron que inspirou Castro Alves foi muito mais o amante da liberdade, o nobre inglês que foi lutar heroicamente pela independência da Grécia e que escreveu o escandaloso poema "Don Juan", do que o byronismo difundido pela geração romântica precedente, caracterizado pelo aspecto mórbido e pessimista de se relacionar com a vida.


Anote!
Ainda há, em Castro Alves, influência da geração byroniana, anterior a ele. Mas o poeta baiano encara a morte – e a vida – de outra maneira. 

Não é o escape, a solução para a dor vivente de Álvares de Azevedo, e sim o fim do movimento e da alegria de viver.


Paisagem de palavras

A natureza tem presença destacada na poesia de Castro Alves, que é permeada de imagens "naturais", tanto da Terra quanto do cosmos. Sua poesia une o sentimento do poeta ao sentimento da natureza, como em "Aves de Arribação". Mas é principalmente nos poemas de exaltação diante dos espetáculos naturais, como "Sub Tegmine Fagi", que a paisagem surge com intensa plasticidade, descrita com sua sensibilidade característica, predominantemente visual. Nesses poemas descritivos, Castro traça belos retratos paisagísticos, antecipando a linha descritivista pictórica da poesia parnasiana, como em "Murmúrios da Tarde": 

"Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo
De cada moita a escuridão saía,

De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria..."

Autógrafo de Castro Alves, no poema" Num Álbum", escrito em 1865.


As marcas do estilo

Poucos poetas utilizaram, na Língua Portuguesa, tantas reticências, travessões e pontos de exclamação quanto Castro Alves. São muitos os exemplos:


"Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!"

"– Boa noite! –, formosa Consuelo!..."


Com esses recursos gráficos, o poeta procura reproduzir a oralidade do discurso exaltado da praça pública ou das declamações nos palcos. 

• As reticências indicam as pausas dramáticas que reforçam a ênfase discursiva marcada pelos pontos de exclamação.

• Os travessões têm dupla função. Por vezes aparecem, como as reticências, como marcas de pausa na elocução:


"– Mulher – de lábio pálido – e olhar
– cheio de luz."


• Em muitos outros momentos, aparecem como marca do discurso direto, apresentando uma fala que se dirige a um interlocutor específico: 


"– Quem bate? – A noite é sombria!"

"– Quem bate? – É rijo o tufão!..."


Anote!
O estilo retórico condoreiro traduz-se na linguagem escrita por meio dos sinais de pontuação, como reticências, travessões e pontos de exclamação.

Fonte: http://vestibular.uol.com.br

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