segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Análise 02 - A Hora da Estrela


A obra de Clarice Lispector narra a história de Macabéa, nordestina que vai para o Rio de Janeiro com o intuito de ser datilógrafa. Ela passa os dias consciente de seu lugar na sociedade, mas sonhando com uma vida diferente e o lugar que poderia ocupar.

A obra é narrada por Rodrigo S. M., um dos personagens centrais da história. Ao mesmo tempo em que conta a vida de Macabéa, o narrador se identifica com ela.

Hora da Estrela é um texto metalinguístico, já que o autor e narrador fala de sua própria obra e busca nela conhecer-se e reconhecer-se.


A obra enfoca, ainda, até onde pode ir o conhecimento de mundo mediante a palavra e a consciência, por meio das quais o ser humano se diferencia dos outros seres. Além disso, traz à tona os impasses criados pela separação dos indivíduos em diferentes grupos, destacando o escritor e o nordestino. Quanto à estética, investiga o ato da criação e da originalidade. Rodrigo e Macabéa não fazem parte do mesmo espaço periférico – ela é retirante e ele é visto com maus olhos pela classe média e não consegue alcançar pessoas como Macabéa. O escritor acaba priorizando o relato dos recursos textuais ao falar de Macabéa, que ironicamente só ganha papel de destaque perto da hora de sua morte: 


“Nesta hora exata, Macabéa sente um fundo enjoo de estômago e quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo luminoso. Estrela de mil pontas.” 


É nesse ponto que compreendemos o significado do título: A Hora da Estrela é a hora da morte de Macabéa, em que ela alcança a grandeza do ser. Já a autora atinge a epifania ao concluir a obra. É a epifanização do tormento de escrever.

Enredo

O enredo de A Hora da Estrela não segue uma ordem linear: há flashbacks, bem como idas e vindas do passado para o presente e vice-versa.
Rodrigo S.M., narrador onisciente, conta a história de Macabéa, personagem protagonista, vinda de Alagoas para o Rio de Janeiro para trabalhar como datilógrafa. Rodrigo e Macabéa se confundem; esta identidade, que ultrapassa as questões de classe, de gênero e de consciência de mundo, é um elemento de grande significação no romance.


Rodrigo é um dos personagens do livro; entretanto, ao apresentar-se não só como narrador, mas também como criador da história, problematiza a essência da literatura de ficção, que reside na recriação arbitrária do real.


“Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens.”


A princípio, Macabéa mora com a tia, com quem veio de Alagoas. Contudo, quando ela morre, vai morar com mais quatro colegas que trabalhavam com ela nas Lojas Americanas. Por cometer muito erros de datilografia no trabalho, seu patrão, Raimundo, a demite e mantém somente Glória, colega que ela considerava bonita e sensual. 


Macabéa gostava de ouvir a Rádio Relógio porque os locutores falavam "palavras diferentes", embora ela desconhecesse os significados e não soubesse o que fazer com as informações. Também vivia à base de cachorro-quente e Coca-cola, porque era o que podia pagar.


Um dia Macabéa encontra Olímpico de Jesus, um metalúrgico paraibano. Os dois têm dificuldade para se comunicar – ela por não saber e não ter o que dizer e ele, por se sentir superior, principalmente em relação ao aspecto linguístico, porém pouco sabia. Olímpico era ambicioso, era capaz de qualquer ato para ascender socialmente. Até que conhece Glória e resolve afastar-se de Macabéa.


Ao mesmo tempo em que ainda é virgem, a personagem é sensual em seus pensamentos. O prazer em Macabéa é algo que sempre se alia à dor. Ao ver um homem bonito no botequim, por exemplo, apesar do prazer que tal visão lhe dá, há o sofrimento por não o possuir e por ter a certeza de que alguém assim é mesmo só para ser visto. Macabéa já havia experimentado essas sensações contraditórias com outra pessoa: a tia, que, ao bater na menina, sentia prazer ao vê-la sofrer.


Macabéa só tem consciência de sua vida desgraçada quando vai a uma cartomante chamada Carlota, por indicação de Glória. A cartomante mostra-lhe a tragédia que é sua vida, mas, ao mesmo tempo, dá-lhe a esperança de acreditar que as coisas poderiam ser diferentes – a possível felicidade. Quando sai da casa da cartomante, a personagem é atropelada por um automóvel Mercedes-Benz, e então tem seu ápice.

Foco narrativo e estrutura da obra


O foco narrativo escolhido é a primeira pessoa. O recurso usado por Clarice é o narrador-personagem, pois conforme nos faz conhecer a protagonista, também nos faz conhecê-lo. Ele escreve para se compreender, ao mesmo tempo em que conta a história de uma nortista que vê de relance na rua.


O foco narrativo da obra é motivo de curiosidade e debate – é um dos pontos mais inovadores do livro. A autora cria um narrador (que, portanto, é também um personagem e se assume durante a narrativa como tal) para contar a história de Macabéa. Esse narrador, ao passo que inventa a vida de sua personagem, desvenda sua própria vida, ou seja, à medida que Rodrigo S.M. relata os eventos da vida de Macabéa, descobre sua própria identidade. 

Espaço / Tempo



O Rio de Janeiro é o cenário, contudo, a história é ambientada no “interior” dos personagens. Pelos indícios que o narrador nos oferece, como por exemplo, o desejo de Macabéa de ser artista como Marilyn Monroe, o tempo é possivelmente a década de 1960 em seu fim ou a de 1970 em seus começos. 

Personagens 

Macabéa: alagoana de 19 anos de idade, virgem e muito feia, completamente inconsciente, raramente percebe o que há à sua volta. A principal característica de Macabéa é a sua completa alienação. 

Olímpico: Olímpico se apresentava como Olímpico de Jesus Moreira Chaves. Era metalógico e ambicioso, orgulhoso e paraibano. Queria ser muito rico e também ser deputado. Um secreto desejo era ser toureiro, gostava de ver sangue.

Rodrigo S.M.: narrador-personagem da história. Tem domínio absoluto sobre o que escreve, inclusive sobre a morte de Macabéa, no final.

Glória: Filha de um açougueiro, nascida e criada no Rio de Janeiro, rouba Olímpico de Macabéa. Tem um quê de selvagem, é esperta, loira “oxigenada” e muito sensual. 

Madame Carlota: cartomante que tira a sorte de Macabéa. Na verdade, não passa de uma enganadora vulgar. Foi prostituta quando jovem e depois montou uma casa de mulheres e ganhou muito dinheiro. Impressiona Macabéa ao dizer que é fã de Jesus Cristo. 

Outros personagens: as três Marias que moram com Macabéa no mesmo quarto, o médico que a atende e diagnostica a gravidade de sua tuberculose e o chefe, seu Raimundo, que reluta em mandá-la embora. 

Vida e obra de Clarice Lispector

Ucraniana naturalizada brasileira, Clarice Lispector foi comparada a escritores como James Joyce e Virginia Woolf, os quais ela ainda nem havia lido quando lançou seu primeiro livro, Perto do Coração Selvagem. Tinha 17 anos e revolucionou a literatura brasileira da época com um estilo narrativo próprio, usando muitas aliterações, metáforas e o monólogo interior, próprio de um tipo de literatura introspectivo e intimista.


Em A Hora da Estrela, último livro publicado antes de sua morte, em 1977, Clarice usou como referência para Macabéa a sua própria infância no Nordeste brasileiro, além de uma visita a um aterro em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, no qual nordestinos se reuniam. 


Em uma entrevista concedida à TV Cultura, Clarice disse ter sido nesse aterro que ela capturou "o ar meio perdido" do nordestino na cidade do Rio de Janeiro. Na mesma entrevista, ela menciona que o livro que acabara de completar tinha "treze nomes, treze títulos" – contudo, os leitores só ficaram conhecendo quais eram esses nomes quando a obra foi publicada. Quanto à cartomante presente no livro (Madame Carlota), a autora utilizou com inspiração uma visita que ela mesma fez a uma cartomante e que, ao sair, pensou quão divertido seria se depois de ouvir todas as coisas boas sobre seu futuro ela fosse atropelada por um táxi. Segundo as próprias palavras de Clarice, ainda na entrevista à TV Cultura, o livro A hora da estrela "é a história de uma moça tão pobre que só comia cachorro quente. Mas a história não é isso, é sobre uma inocência pisada, de uma miséria anônima".

Assista à entrevista da autora na TV Cultura.

Fonte: http://vestibular.uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário